sexta-feira, 29 de maio de 2015

a incrível procura piegas do amor que veio e nem tinha visto antes ou os três pulinhos

Procuro meu óculos desesperadamente pela casa, que é pequena, mas não justifica a perda nem a dificuldade da busca.De canto em canto defumo a vista catando migalha e abencoando a luz. São longuinho, tadinho, já ta cansado, mas ele procura enxergando e eu não. Passei a fase de pena dele. Não faz mais que obrigação. Três pulinhos em época de crise custam caro e são facilmente desvalorizados. Embaixo do tapete, na curva do corrimão, na pilha de roupas, almofada suja, almofada limpa, estofo do sofá, pontinha do cabideiro e nada. No vão da fresta do vitrô por onde entra a primeira luzinha da manhã tinha um borrão, fui seca com a mão. A aranha assustou. Tadinha, não está acostumada a ser confundida assim a essa hora da noite. Mas passei da fase de pena da aranha. Não faz mais que obrigação ficar parada ali quieta comendo mosquito. Em tempo de epidemia de dengue, mosquito ta com um valor danado. To numa fase de ter pena da circunstancia errada, de esquecer de valorizar a curva certa do caminho. To com pena de desencontrar na estrada. Pena de desistir da postura certa e do errado que dá sentido na vida. To com pena de perder o vento que bate quando o sininho toca no meio daquela música, daquele abraço, daquele beijo de criança na bochecha que fica vermelha. To com pena de deixar a bochecha pálida. To com pena de perder o céu clarinho na vista nova da manhã. To com pena de não enxergar. E por isso procuro desesperadamente meu óculos. Debaixo da manga da camisa azul masculina vejo uma haste. Não era aranha, nem casca de fruta, eram meus novo olhos pra breguice do amor no que está por vir. E estou desesperadamente acreditando que sim, estou vendo todo o momento certo acontecer. 

quinta-feira, 28 de maio de 2015

a rainha

De tango em tango a rainha erra o passo. Toda de vermelho, lambuzando no salão pimenta do reino e paixão. Descarta um não, anoitece, bebe uma e esquece. Como quem nunca chorou a esmo, perde e ganha naquelas maquininhas de caça níquel do boteco da esquina. Enche o bolso de moedinhas meladas de cerveja e vinho. Troca os pés pelo caminho procurando encontrar na noite gélida da maresia que escapa do mar um colar de contas novinho em folha pra usar. Encontra caos e confusão em mesas de bar. Olhares tontos enviesados, trocados por quem quiser lhe dar prata falsa, estojos de mel e ouro de luar. Corre, depois de certa hora, um boato de que ela não é qualquer uma, só porque sabe dançar. E a independência se confunde com penar. E a rainha dança, com cabelo na fumaça do cigarro desistindo de ver o tempo, que a esmaga com o clarear. Quando desescurece o dia e já se pode ouvir os ônibus e os carros no ar, ela volta a pé pra casa, cansada de tanto esperar.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

eu nem tava plantando nada

Hariadne falou que a minha velocidade é dificil de acompanhar. Na verdade é mesmo. Mas quando me puseram no mundo quiseram assim e eu nem brigo mais com essa coisa de destino porque tudo acontece mesmo de forma completamente irrelevante aos astros, planos, trocas, chances, changes e marés. Propositalmente eu na virada da cuíca estava me deixando levar pra ver se rolava mais extrassístole pelo mundo afora do que aqui por dentro. Foi então que veio enxurrada, cavalgada, terra, pó, unguento, mel, alergia e abelha. Dessas abelhas cabeludas. E no ventinho da manhã da casinha da vila tudo mudou. Eu não queria não. Na verdade, a gente nunca quer. Não queria parar, porque justificava paradas na minha cabeça como uma forma de medo da vida e não via isso cabendo em mim. Não queria também assentar, porque eu imaginava que quando a gente cavuca a terra e depois nasce uma mudinha de mato é sem querer, porque na verdade eu nem tava plantando nada. Veja só, to colhendo agora. 

Escrevi um coração no alto daquela arvrezinha,
achando que ele era meu e ela pensando que era minha, tadinha.
Da lasquinha da casquinha, pingou seiva, mel e vinho
eu juntei tudo num potinho e joguei pelo caminho.

.....

quinta-feira, 14 de maio de 2015

toddin

Eu fui levar o Elvis pra passear na beira rio e meu celular vibrou no bolso. Suzana apareceu me chamando pra tomar uma cerveja na Toca. A resposta sempre é sim, mas dessa vez não. To com um vírus desses de inverno me enchendo as pacuéra e amanha viajo cedin, pra encontrar um outro caminho do outro lado das montanhas azuis. Ô Suzi, tu me retroalimenta as vezes com azul de têmpera misturado com sal, tequila, limão e mel pra garganta. Difícil dizer quando foi que aquele todin de papelão vazio que me foi atirado na cara (!) realmente me atingiu. Aí nessas horas que penso que amizade é coisa rara e a gente tem que ficar babando ovo mermo. E ter ciúme mermo. E sentir a distancia memo. Doer quando imagina a vitoria do outro e tu tão longe pra dizer pelo whatsapp que ta tudo bem, parabéns, meus sentimentos, feliz dia das mães, aniversario, coelhinho da pascoa, independência ou morte, abolir a escravidão, pintar a cara no dia do índio, saquinho na vizinha do Cosme e Damião e a satisfação de ser chamada de louka a essa hora do campeonato, em pleno Maio que é o inverno que nunca acontece. Devolvo o todinho com coração quentinho da estrada. Acho, na verdade, que só estou ficando na cidade paulista pra esperar tu ir me visitar. 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

O longe e a miragem

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces 
Estendendo-me os braços, e seguros ... Se ao que busco saber nenhum de vós responde 
Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, 
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, 
A ir por aí... 
Se vim ao mundo, foi 
Só para desflorar florestas virgens, 
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada. 
Como, pois, sereis vós 
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem 
Para eu derrubar os meus obstáculos?... 
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, 
E vós amais o que é fácil! 
Eu amo o Longe e a Miragem, 
Amo os abismos, as torrentes, os desertos... 
Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tetos, 
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... 
Eu tenho a minha Loucura ! 
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, 
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... 
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, 
Ninguém me peça definições! 
Ninguém me diga: "vem por aqui"! 
A minha vida é um vendaval que se soltou, 
É uma onda que se alevantou, 
É um átomo a mais que se animou... 
Não sei por onde vou, 
Não sei para onde vou 
Sei que não vou por aí!" 

(Cântico negro, M. Bethânia)