domingo, 29 de janeiro de 2012

pensei que amar é fácil.

Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa.

( um trecho, Felicidade Clandestina, C. Lispector)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

na vila.

No beco cada casa solta um cheio diferente.
Cheiro de sabão em pó. Cheiro de fumaça.
Cheiro de gente.
Cheiro de queimado.
Cheiro de esgoto. De sexo. De suor.
Cheiro de maconha. Cheiro de pó.
Cada janela tem um olho diferente.
E cada fresta um segredo maior.
Tem sangue nas esquinas, que não dá mais pra lavar.
Tem um rio que enche sempre que chove.
Tem parede que molha até o teto manchar.
A poeira que tem, tem pra cobrir
O rastro de todos aqueles que se escondem ali.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

na chuva.

Eu sou uma daquelas pessoas que não nasceu pra ficar sozinha.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

hoje não terá marcação na agenda de consultas.

Foi assim que começou meu dia. E cada vez que acontece um novo encontro me desencontro a desarranjar meu caminho. Não vamos marcar consultas porque vai ter um seminário para os profissionais de saúde na secretaria. Cheguei, prestei atenção na palestra, observei as pessoas, reconheci os reconhecíveis e me misturei aos desconhecidos. Conversei, escutei, escutei, escutei. Coffee break, todo mundo adora. Fui procurar um café preto, tava com sono. E as conversas se desconectaram pra prestar atenção nos trovões, nos relâmpagos, na escuridão. Acabou a luz. E aos poucos começava um zumzumzum no auditório. Que foi crescendo, crescendo, crescendo, crescendo até ganhar corpo de sonoridade. Tem um ritmo próprio essa coisa de conversa coletiva. E aí conheci fulano que é marido de fulana e eu era filha dele, claro, de quem mais poderia ser se eu era a cara dele. Você é a cara do seu pai. E ele nadando nas águas claras de Maceió, embriagado com o barulho das férias, esquecendo que eu sou a cara dele. E conheci o outro fulano, que ficou devaneando idéias sobre coisas que eu não entendo. Eu só balançava a cabeça. Aham, sim, claro. Aham, aham, aham. Depois me apresentou pra tal mulher que já trabalhou em tudo quanto é lugar. Você anda fazendo milagre naquele lugar, doutora. Aliás, você foi a única médica que compareceu aqui hoje. E eu gelei. O quê? Eu era a única ali verdadeiramente habilitada pra falar sobre o assunto abordado. Assunto que eu desconhecia em profundidade. E como se não bastasse, sempre aparece um jornal local querendo fazer entrevista. Veio a mulher que já trabalhou em tudo quanto é lugar chamando meu nome, com uma jornalista com cara de feiticeira à tira colo. Pensei bem baixinho (porque vai que alguém ouve pensamento...) to fudida, não sei nada sobre essa doença. Mas também, que merda, esse povo resolve fazer seminário pra profissional de saúde sobre uma doença que pega um em um milhão. Se eu não sabia nada ali, imagina o resto do público, com todo muitíssimo respeito, claro. E então sobra pra hierarquia. Pobre recém formada desavisada, livre da esperteza (ou seria malandragem?) dos grandes. Livrei-me da mulher que trabalha em tudo quanto é lugar e arrastei a feiticeira, digo, jornalista prum cantinho. Eu tinha que reservar minhas respostas, pelo menos espacialmente falando. Sorte minha que deu pra enviesar as perguntas pro lado político e social do assunto, o qual transformei numa maravilhosa dissertação sobre as condições das associações de saúde no Brasil, que não são financeiramente apoiadas pelo Governo. Sabe-se lá o que essa mulher vai escrever no jornal. Sai amanhã a matéria. Depois dos agradecimentos, despedi-me rápido de toda aquela gente, que naquela altura já tinha certeza que eu era a salvadora do sistema de saúde nacional, enfrentei a chuva gelada sem sombrinha e encharquei o tapete limpinho do meu carro limpinho. Agora em casa, to tentando lembrar o que eu disse pra feiticeira, digo, jornalista, que vai ter que fazer magia pra deixar minhas palavras mais leves ou então fazer toda a entrevista desaparecer do seu gravador. Anotado na agenda, primeira coisa a fazer amanhã, comprar o jornal.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

no sábado.

_ Vai devagarinho pro senhor não machucar o pé nas pedras.
_ Eu sempre vou devagar minha filha. Alias, isso serve pra sua vida. Andar sempre devagar.

E eu ri por dentro. E acreditei nele mais do que nunca. Obrigada.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

encolhe a barriga que é mau olhado.

Assim como passa pela lua.
A lua pelo sol.
Quem comanda o teu corpo.
É o nosso senhor do céu.
Se esse mal no teu comer no teu beber.
No teu deitar, no teu vestir,
no teu andar no teu dormir;
Na tua formosura.
Com dois te botaram.
Com três eu tiro.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

tópicos pra falar, por pra fora, esbravejar, deleitar.

Hoje eu acordei de madrugada. Olhei pro lado e te vi. E fazia tanto tempo que você não estava ali da maneira como estava agora. E sua respiração era profunda. E eu ficava pensando que eu não devia estar exigindo tanto de você. As pessoas quando estão dormindo sempre são serenas. Mas eu também exijo muito de mim. E igualdade e simetria pra mim importam. Tem muita coisa que já não me importa. Eu deveria deixar de me importar com tantas outras. Eu deveria tanta coisa que já nem tem coisa mais pra fazer sem compromisso. E eu me prendo. E te prendo também. Mas entenda, eu falava pros seus olhos dormindo, não sei fazer diferente. Eu tento. Mas não consigo. E tudo que se transforma ao meu redor me constrange as vezes. Tenho receio de viver. E, você sabe, tenho tanta vontade. Vontade de viver. Com você, claro. E com todo mundo também. O que eu infantilizo é porque ainda não entendo, ou não vivi. Mas um dia eu vivo. E como tudo vai andando devagar, nós vivemos. E você dorme como quem não sonha. Eu odeio, confesso, esse fato de você nunca lembrar dos sonhos. Lembra um dia pra poder me contar?

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Eu deixei uma vez debaixo do meu travesseiro um caderno cheio de poesia que eu tinha escrito uma vez, há muito tempo, tanto tempo que nem dá pra saber detalhe. (porque quando a gente se arrepende o tempo passa de um jeito diferente, quase como se não tivesse acontecido).E dentro tinham coisas escritas que você não gostou de ler. Era só um caderno. Um caderno azul, que eu achava que era pra guardar as coisas. Mas eu me enganei. O que precisava guardar eu joguei no rio. O caderno, antes do ano virar, começou a me incomodar. Doía muito quando eu deitava na cama. Eu tinha dores de cabeça. Então, o que eu achava que precisava guardar eu queimei. E na fumaça eu respirei. E se eu pudesse pulava no paraíba pra encontrar aquele momento que eu também queria queimar. Mas tem coisa que não dá.

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Faz assim, eu trabalho pra você sonhar. E depois disso, pra mim já tava combinado. Mas agora você danou a querer ganhar dinheiro e eu fiquei sem saber o que pensar. Penso então que a gente pode ficar rico junto e comprar duas bicicletas pra sair e conhecer o mundo.

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Promete que não perde mais a paciência comigo que eu prometo deixar de ter paciência com você.

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Agora o que me importa é a paz, que eu teimo tanto em destruir. Minhas desculpas podem ser chatas, as vezes inoportunas, mas me deslocam pra onde eu quero estar. São como um chamado interno, pra eu mesma. Pra eu entender. Pra acordar. Pra prestar atenção nas coisas que eu faço sem razão, só com isso que eu chamo de coração. E, eu sei, posso ser dramática e romântica o suficiente, que isso não te afeta. Me deixa, vai. Quando eu me expresso eu melhoro. As vezes basta um cheiro seu pra me desabar feito muro de arrimo malfeito. E o malfeito, meu bem, já está feito. Me desculpa e não me larga mais, que eu prometo que eu construo direitinho aquela casa quadrada que você tanto acha linda. E prometo que não destruo mais nada. Como você me falou, isso tudo vai passar, né? E depois que você fala eu começo a acreditar.

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I´ll give my best to you
You cry, I dry your pain
You smile, I smile também!

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

igualzinha

Engraçado como ainda sinto o ar de férias. Ainda imagino que amanhã não tem aula e a chuva me faz acreditar que posso ficar acordada até tarde. Engraçado como a vida da gente faz assim ó. Pá. Quando viu, já foi. E aí esses dias voltei de viagem com uma menina no ônibus, que falava com a grandeza dos adultos, mas só tinha dezoito anos. E lembrei de mim, que sempre tive a prepotência da sabedoria enganada e pensava que o mundo era lá. O mundo nunca é lá. Ele é muito mais do que minha cabecinha naquele tempo podia entender. Mais até do que ainda posso. E aprendi. E aprendo como se fosse hoje o que perdi. Não parece, mas perdi muita coisa. Todos perdemos, acho. E a menina do ônibus falou de amor, de dinheiro, de futuro. Ela entendia e estava dona de tudo que era seu. E eu do outro lado, escutava cada palavra, cada expressão eu via, rímel nos cílios, três furos na orelha, piercing no nariz, namorado fixo, livro debaixo do braço, futuro traçado, trabalhando e estudando pra morar sozinha. Compartilhei tudo e no final ela disse que eu era a adulta mais interessante que ela já tinha conhecido, apesar de eu ter um blog, que ela achava cafona demais hoje em dia ter um blog, que blog era coisa pra velho. E eu sorria. Porque ela nem imaginava o quanto velha ela era.