quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
hoje não terá marcação na agenda de consultas.
Foi assim que começou meu dia. E cada vez que acontece um novo encontro me desencontro a desarranjar meu caminho. Não vamos marcar consultas porque vai ter um seminário para os profissionais de saúde na secretaria. Cheguei, prestei atenção na palestra, observei as pessoas, reconheci os reconhecíveis e me misturei aos desconhecidos. Conversei, escutei, escutei, escutei. Coffee break, todo mundo adora. Fui procurar um café preto, tava com sono. E as conversas se desconectaram pra prestar atenção nos trovões, nos relâmpagos, na escuridão. Acabou a luz. E aos poucos começava um zumzumzum no auditório. Que foi crescendo, crescendo, crescendo, crescendo até ganhar corpo de sonoridade. Tem um ritmo próprio essa coisa de conversa coletiva. E aí conheci fulano que é marido de fulana e eu era filha dele, claro, de quem mais poderia ser se eu era a cara dele. Você é a cara do seu pai. E ele nadando nas águas claras de Maceió, embriagado com o barulho das férias, esquecendo que eu sou a cara dele. E conheci o outro fulano, que ficou devaneando idéias sobre coisas que eu não entendo. Eu só balançava a cabeça. Aham, sim, claro. Aham, aham, aham. Depois me apresentou pra tal mulher que já trabalhou em tudo quanto é lugar. Você anda fazendo milagre naquele lugar, doutora. Aliás, você foi a única médica que compareceu aqui hoje. E eu gelei. O quê? Eu era a única ali verdadeiramente habilitada pra falar sobre o assunto abordado. Assunto que eu desconhecia em profundidade. E como se não bastasse, sempre aparece um jornal local querendo fazer entrevista. Veio a mulher que já trabalhou em tudo quanto é lugar chamando meu nome, com uma jornalista com cara de feiticeira à tira colo. Pensei bem baixinho (porque vai que alguém ouve pensamento...) to fudida, não sei nada sobre essa doença. Mas também, que merda, esse povo resolve fazer seminário pra profissional de saúde sobre uma doença que pega um em um milhão. Se eu não sabia nada ali, imagina o resto do público, com todo muitíssimo respeito, claro. E então sobra pra hierarquia. Pobre recém formada desavisada, livre da esperteza (ou seria malandragem?) dos grandes. Livrei-me da mulher que trabalha em tudo quanto é lugar e arrastei a feiticeira, digo, jornalista prum cantinho. Eu tinha que reservar minhas respostas, pelo menos espacialmente falando. Sorte minha que deu pra enviesar as perguntas pro lado político e social do assunto, o qual transformei numa maravilhosa dissertação sobre as condições das associações de saúde no Brasil, que não são financeiramente apoiadas pelo Governo. Sabe-se lá o que essa mulher vai escrever no jornal. Sai amanhã a matéria. Depois dos agradecimentos, despedi-me rápido de toda aquela gente, que naquela altura já tinha certeza que eu era a salvadora do sistema de saúde nacional, enfrentei a chuva gelada sem sombrinha e encharquei o tapete limpinho do meu carro limpinho. Agora em casa, to tentando lembrar o que eu disse pra feiticeira, digo, jornalista, que vai ter que fazer magia pra deixar minhas palavras mais leves ou então fazer toda a entrevista desaparecer do seu gravador. Anotado na agenda, primeira coisa a fazer amanhã, comprar o jornal.
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