Era uma vez quando eu me apaixonei por um sotaque e depois tive azia de amor.
Era uma vez quando ele falou.
Não foi daquela vez que eu perdi a hora.
Nem foi quando tudo calou.
Senti que foi numa vez, o jeito de se debater e morrer na praia, tal peixe pré frito.
Era uma vez um recife lindo.
Era uma vez um monte de peixinho.
E num lago cristalino uma vez
Cacei baleias e sobrevivi a um ataque mortal de uma sereia.
Era uma vez a gata me arranhando pela perna
deslizando cambaleante
disfarçando a malandragem de ser uma vez gata.
Era uma vez um desarranjo
um desalinho
um arcanjo fora do ninho, que se apoderou de mim
e depois veio dizer que eu não rezava, ai ai ai anjo
Sabes bem sobre aquela vez, que rezei sobre teu corpo descansado na minha cama.
ninguém hoje chama
isso de era uma vez
porque feitiço de anjo a gente não conta
a gente só tal vez.
quinta-feira, 27 de março de 2014
sábado, 22 de março de 2014
Gil
Não Gil, eu não sei cantar. Só no chuveiro. Tem que ver issaí. Concordo. Vem cá ver. O vidro às vezes tilinta de tanto agudo. A Gethrude desnorteia e até o piano do vizinho silencia. Não Gil, tem hora que prefiro o silêncio. Claro que sim Gil, vai passar. É só coisa de momento. Essas coisas leves, que fazem a gente flutuar e ficar pensando paixonadin, fixado num determinado momento, que já era, mas teima em ser mini eterno, sabe. Sim Gil, eu pensei uma vez, aquela vez, de tantos anos, que fosse pra sempre. Pois é Gil, eu me enganei. E feio. Errei rude. Mas não Gil, não me arrependo, logo você vem me perguntar isso. Porque? Porque tu é quem tu é por causa dessas coisas de amar a si mesmo, dar mais valor a própria alegria do que a dos outros, encarar os fatos com leveza, viver tantos momentos como se não houvessem próximos. Aí tu vem querer saber se me arrependo. Ta, ta bom, ta, tudo bem Gil, já entendi. Ta bom. Não implica vai. Teimosia já basta a minha, Gil.
Sim, faz falta. Tem noite que eu não durmo lembrando de algumas palavras. Dessas cheias de vida. Lembrando da felicidade que se transforma num esquisito sonho, que vai se transformando num tétrico pesadelo e me acorda de madrugada, como sempre, mas dessa vez ele não está lá. E aí lembro que ele prometeu que estaria. Mas não está. Viu Gil, que cê me faz. É, faz. Faz falta.
Sim Gil, eu quero. E não, não tenho medo. Tenho pavor. Entenda. Eu sei Gil, que você entende, é só maneira de dizer. Porque eu disse oras. Porque sim. A resposta do porque sim está embutida. Leia. Interprete. Não Gil, não to te zuando. Nem to te enrolando.
Ta, ta bom Gil, eu admito. Eu sei cantar mas nunca conto pra ninguém. Nunca canto pra ninguém.
domingo, 16 de março de 2014
entre a foto da Simone e a moldura
E ela nem se deu ao trabalho de conferir se tinha alguma coisa fora do lugar. Entrou correndo no apartamento, sujou o tapete todo com o sapato sujo do forró e foi direto àquela gaveta. Revirou os papeis e então encontrou o envelope branco. De dois pontos seu então amor. Abriu cuidadosamente e tirou um bilhete dobrado, amassado, bem guardado. As letras borradas com algumas lágrimas que um dia foram tão reais quanto a alegria que estava sentindo ali. Respirou mais fundo do que deveria e teve a certeza de que nada fora em vão e de que exalou oxigênio demais, deixando-a tonta. Dobrou tudo do mesmo jeito tonto, guardou dentro do mesmo envelope tonto e ao invés de entulhar na gaveta tonta fez um furo e pendurou no mural. No canto, embaixo da caricatura, entre a foto da Simone e a moldura. Depois percebeu que sua vida estava enquadrada. E tudo era simples. E então, tirou uma foto. Postou, como se deve ser hoje em dia, numa rede social qualquer e dividiu com quem podia tamanha alegria de sentir-se completa e livre, talvez, quem saberia, pela primeira maravilhosa e singular vez.
sábado, 15 de março de 2014
e eu voltei.
Não sei se foi pelo som, pela lua e um provável eclipse, pela maré alta, pelas companhias quentes, pelos miados da Gerthrude ou por si só, pero que retorno de alguma cinza bem fininha e levinha que tinha se perdido aí entre tantos outros diminutivos que eu não gosto de usar. Estive mei perto, mei longe, estive entremeada a coincidências e facções de pensamentos que intrigantemente existiam e eu nem sabia. Estive perdida num alçapão de descobertas furtivas, usando sempre as mesmas palavras que eu tanto teimo em usar. Usando o eu pra escrever e esconder um ego mei magoado com o mundo, mas cintilante o suficiente pra rebuscar e ofuscar a sombra que as vezes alastra a minha varanda.
O som que estou escutando é tão sereno que invade meus cômodos, tão cômodos, tão sucintos e paira num mesmo ar por horas, até eu achar que esqueci e ele magicamente se perder no mesmo ar que antes se abrigava. Fica num vem e vai e balança alguma coisa aqui que não balançava mais desde uns tempos por aí. E aí é o mesmo Lamento Sertanejo, aquele que eu tocava na escaleta e vestia aquela saia vermelha e enchia o melhor ar dos meus pulmões. Logo eu que pensava que essas coisas de coincidências não existiam. Antes de tudo, forte, esse meu sertão fantasiado de sorriso. Antes de tudo um sorriso fingindo ser sertão. Antes de tudo um você, que se transforma em você, depois de tanto pó, e brinca de ser mar e largar logo dessa ideia de virar sertão.
Sempre soube de algumas notas soltas assim, de ouvido. Mas sei lá, nunca falei. Tem coisa que não se fala. Do mesmo jeito que a saudade sempre doeu e muito. Tem coisa que só se escreve. Há quem diga que tem coisa que só se toca, assim, pra alguém escutar. Com uma semínima se faz uma paixão. Mas uma só não faz verão. Aí então, se faz canção. Foi o que me fizeram. E eu voltei.
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