O Frio bate na porta assim quentinho esperando alguem abrir porque ele vai entrar e trazer um monte de novidade novinha. Sem vergonha nenhuma, ele vai contrair os acentos e as virgulas das conversas. Vai fingir que nao existem tantas pontuacoes quanto sao necessarias para descrever um meado de Outono tao brando. Tao branco. E vai contar de novo a historia que o Verao todinho ja contou, mas ninguem acreditava porque era verao. E vai dizer que a tal moca do conto esqueceu-se de ir embora e vai ficar. Vai ficando igual Primavera que ainda nem chegou mas encarna na pontinha das unhas vermelhas que ela acabou de enfeitar pra colorir o ceu que tava muito azul. O Frio vai entrar pela porta, mesmo sem ninguem abrir, pela frestinha escondida no vao do vao da macaneta, no buraquinho minguado ariado da madeira, no vidro dilatado que abre um fio na janela e quando se ve, ja entrou. E la fora, ninguem mais sabe de choro ou vela, de sopro, de arrepio, de culpa ou dor. Ninguem mais sabe de carta de amor que ta guardada na gaveta, nem de ciume pobre, tadinho, tao pobre, encaixotado na prateleira. O Frio conta a historia de um tango pronto, escrito ha muito tempo por alguem por ai e todo mundo pensava que nao existia. Agora todo mundo acredita. E, inesperadamente, todo mundo danca. Danca tango. E olha que ninguem sabe dancar esse tipo de embalo por ai. Mas, de novo, inesperadamente, todo mundo, eu disse, todo mundo danca. Enquanto o Frio gruda na beirada da parede, debaixo da cortina, no cantinho escuro com os pernilongos as flores crescem no beiral da janela. O Frio, o Verao, o tango, as flores e eu.
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