sexta-feira, 13 de agosto de 2010

sambalento.

_ Dirigia rápido pra chegar rápido em algum lugar que tivesse gente. Meu livro de pediatria aberto na parte de trás dos bancos esvoaçava as folhas, virando-as violentamente com o vento dos quatro vidros nunca antes abertos ao mesmo tempo. A música, um samba lento no último volume do som, estourava os auto-falantes. Pra ficar mais alto que meus pensamentos. E eu chorava compulsivamente.

_Dirigia lentamente, com um sono gigantesco, pra não chegar num lugar que tivesse gente. A música, um samba lento, tocava baixa pra aliviar minha manhã acordada à tapa. O carro estava vazio, os bancos frios e todos os vidros fechados. E eu bocejava sem querer lacrimejando e fazendo o olhar arder.

_Dirigia voando, pra não chegar atrasada no hospital cheio de gente. Minha mochila com a roupa do plantão murchava do meu lado. Meu celular estava desligado pra não preocupar minha mente ocupada pela velocidade. Quando chegasse lá ligava e deixava no vibra. A música, um samba lento, saía pelo vidro entreaberto alcançando as calçadas nos sinais vermelhos que me deixavam irritada por me fazer parar. E eu comia uma maçã como quem come uma carne dura difícil de engolir.

_Dirigia tecnicamente, pra não sofrer nenhum acidente na estrada lotada. Carregava no porta-malas uma mala e uma moichila cheias de ropuas que não iria usar. Ar condicionado ligado, samba lento tocando zunindo pelos meus ouvidos alertas, vidros fechados. Dinheiro do pedágio separado no banco ao lado. Prestava atenção nos radares e controlava tudo no carro e em mim, estava dentro dos limites de velocidade e de ciúme compulsivo. E eu cantava livremente, aliviando meu pecado e meu perdão.


_Dirigia sentindo o vento cru e frio no meu rosto. No banco de trás uma mochila laranja, um violão, um refletor, uma havaiana preta e uma blusa de frio bem quente. Acelerava nas curvas pro vento ficar mais legal. Imaginava histórias fantásticas de um futuro que sei lá se virá. O samba lento não tocava. E eu não precisava de samba, eu já tinha um amor dormindo no banco ao lado.

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