Viramos o ano em Angra. Estive fora cinco maravilhosos dias. Perto de pessoas que amo muito. Estive perdendo a prática da escrita. Como não escrevi, pensei pouco, senti muito. Pensei o suficiente, senti demais.
Todas as maravilhas sentidas assim dentro de mim entraram em confronto com o desastre que ocorria do lado de fora, na cidade. Paradoxo. Tudo estava bem, mas tudo ao redor não estava. A estrada foi interditada. Caíram barreiras acima do lugar onde estávamos e abaixo também. Só havia saída para cidade pelo mar ou pelo ar. A luz acabou. Ficamos sem comunicação porque as baterias de celulares não duraram muito tempo. Conseguimos um barco para ir até a cidade buscar comida e gelo. Nos supermercados não havia mais velas, água sem gás, cigarros, nem pilhas. Tudo estava sendo consumido pelos turistas mais endinheirados que chegaram primeiro. Tudo isso aconteceu logo no primeiro dia. Nos seguintes vivemos bem (muito bem) um naturalismo forçado. Lanternas, isopores, mosquitos e bate-papo. Aliás, uma ótima receita para 2010, o bate-papo. Resolve tudo, passa o tempo e faz crescer. Uma civilização devia se erguer assim.
Deu tudo certo, enfim, graças! A estrada só foi liberada hoje, aí voltamos. A destruição ao redor foi aterrorizante. Só meia pista sobrou. Casas, postes, pontos de ônibus, pessoas foram levadas com a encosta. Uma pedra maior que nosso fusca despencou ao lado de uma escola bloqueando tudo. Passamos por um desvio. Toda a rede elétrica estava no chão. Ao longe dava pra ver a encosta livre do morro. Lisa, barrenta, cedida, cobrindo destroços televisivos. Nunca achei que fosse ver isso de perto.
Viemos.
Aqui, com a luz e o cigarro acesos respiramos a verdadeira situação de onde estávamos. No jornal está passando tudo. No total, até agora, foram 72 mortes. Eu lá não sabia do perigo, da catástrofe, da lágrima da cidade. Eu só sabia da praia, do sol pós-temporal, do carinho guardado no peito, dos projetos para o novo ano e do amor no meu ombro. Eu não via essa dor em massa, esse desespero público. Eu não via nada fora. Sabia dos acontecimentos, mas não das imagens, que marcam minha memória.
Lá eu desejava mil oportunidades para o novo ano.
Aqui, agora, só desejo calmaria.
ps: A todos os trabalhadores da Vila Velha, principalmente o pessoal do Lixo, parabéns pelo serviço. Obrigada.
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Um comentário:
"Aliás, uma ótima receita para 2010, o bate-papo. Resolve tudo, passa o tempo e faz crescer. Uma civilização devia se erguer assim." Concordo muito com isso, você nem sabe o quanto! ;^)
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